A educação, a existência e o ser humano: resenhas de Grito de Guerra da mãe tigre e A Peste

Me arrisco a escrever enquanto escuto músicas melodiosas, que ressoam nos meus ouvidos como tambores, embora ache que seria preferível ouvir Wagner ou Chopin. 
As vozes podem atrapalhar minha própria voz mental.  
Muito tem acontecido nos últimos dias, sejam surpresas, dores ou alegria. E por vezes a minha voz mental silencia. 
Quando a minha mente resiste e decide parar de lutar ou apenas parar, ficar-se quieta,  deixo a arte, a Literatura e a música falar por mim, espalhando suas palavras, seus sons e suas melodias por meu corpo... A deixo correr por minhas veias, se misturando ao meu sangue, tornando-se eu mesma. 
Afinal é melhor se desligar de si mesmo, no é? Ou seria também um encontrar-se?


Resultado de imagem para melancolia (Pintura  Mèlancolie de Albrecht Düren)

Como o tempo passa é um clichê que repetimos, muitas vezes, sem nos atentarmos para o seu real significado. Parece que esquecemos a efemeridade da vida porque tememos ou porque está escrito em nossos genes, o esquecimento? Se pararmos para refletir corremos o risco de entrarmos em colapso? Nem todos desejam viajar por seu inconsciente? 

Bom, depois dessa introdução um pouco filosófica ou repleta de devaneio, porque me sinto livre aqui para me abrir, vamos ao segundo "item" dessa postagem: minhas últimas leituras.


Grito de Guerra da Mãe tigre




A autora Amy Shua tentou educar suas filhas segundo a disciplina chinesa, porém especialmente com uma de suas filhas, não deu sucesso. A razão é que o método é muito rígido e não funciona com todos.
Apresenta regras específicas postas pelos pais chineses, como: os filhos devem tocar algum instrumento musical, violino ou piano, nunca dormir na casa das amigas, estudar todos os dias, tanto música, quanto as demais matérias da escola.
É difícil perceber a ironia presente em quase toda a obra e por esse motivo, a autora foi rechaçada nos países ocidentais e ao contrário, glorificada nos países orientais, onde esse tipo de método é adotado.
Mesmo mudando de cultura para cultura, percebemos que em ambos, não foi compreendido o que a autora quis realmente dizer.
Como aluna de Letras e por consequência de Teoria literária, eu compreendo melhor o porquê desse desentendimento.  Livros, poemas (textos literários) podem ter várias interpretações, dependendo do local de onde o leitor vive, mora e qual o seu contexto histórico e cultural. Resumindo: a Literatura deixa a interpretação para o leitor, como um enigma a ser desvendado. Entretanto Amy Shua em muitas entrevistas deixou claro que seu objetivo era tanto mostrar que uma educação que leva à exaustão não pode ser apreciada por adolescentes, porque eles estarão fazendo apenas por obrigação, quanto mostrar que não existe método realmente perfeito e eficaz, cada pai deve decidir o melhor para seu filho.
Para os países ocidentais os pais são liberais e deixam aos filhos tomar suas decisões. Já quanto aos países orientais, como a China e o Japão por exemplo, a educação dos filhos é mais "fechada" e com regras estabelecidas, tal como as que a autora cita logo no início de seu livro.
E o resultado da pressão da exigência dos pais, pelo menos no Japão, é o número crescente de suicídios, infelizmente.
Ao concluir esta obra, ficou vários questionamentos e reflexões. Como conseguir o equilíbrio entre não pressionar o filho e fazê-lo estudar? Como fazê-lo criar gosto pelos estudos? Será que pressioná-lo ou mesmo afrouxar sua educação funciona?



A Peste 

Albert Camus é um escritor aclamado, ganhador do prêmio nobel de Literatura de 1957. É posto também como pensador existencialista por suas obras que sempre trazem pensamentos sobre a existência humana, o absurdo que parece guiar a vida, e em A Peste parece existir todas as angústias, desespero e medos presentes no autor. E além dessas, a principal característica de toda sua bibliografia é o sentimento de exílio e de não-pertencimento a lugar nenhum, sentimento esse que faz parte do homem pós-moderno, sem perspectiva e muitas vezes obrigado a viver sob condições precárias e apenas lutando para sobreviver (não que tenha mudado muito do homem antigo para o atual, não é mesmo?) 

Tendo nascido na Argélia, país que territoriamente pertencia a França até 1962, Albert viveu entre "dois mundos", dois tipos diferentes de culturas, embora tenha tido formação francesa, declarou seu compromisso aos homens: ”Sou, antes de tudo, solidário do homem comum. Amanhã o mundo poderá romper-se em pedaços. Há uma lição de verdade nessa ameaça que paira sobre nossas cabeças”.

Foi minha primeira leitura do autor, logo não tenho propriedade para dizer que essa obra é a representante de seus pensamentos existenciais, mas pelo que vi e li sobre ele, percebo que A Peste pode ser classificada dessa forma.
 A história se passa numa cidade pacata que é obrigada a enfrentar uma doença já "exterminada" há muito tempo no restante da Europa. Mas a simbologia que Camus quis passar está aqui. Na minha interpretação, a mensagem é que não importa a época ou lugar, sempre haverá tristeza, morte e exílio.
Além desse ponto a favor da obra, ainda há personagens diferentes, estranhos e humanos e por isso  é fácil nos identificarmos. O médico, o pensador, o melancólico etc. Essas são características de alguns deles, no entanto não se engane, cada um apresenta uma peculiaridade e claro, uma complexidade que os tornam quase palpáveis. A doença então é que o diga, uma personagem, viva. Como disse Cazuza: eu vi a morte e ela estava viva! É basicamente essa sensação depois de se ler esse clássico escrito em 1947 que ainda se faz muito atual.  Enquanto a humanidade existir haverá esse sentimento de perda e autoconsciência do absurdo que a vida é. 
O homem será sempre perseguido pela busca de sentido, embora para Albert Camus, não exista. E por isso, tanto Sartre quanto Simone de Beauvoir o criticaram. Afinal, nós não teremos mais autonomia, então porque viver? 
Outra jogada que percebi ao ler é que mesmo a vida sendo absurda, por que não viver? Aquele velho clichê (outra vez que cito essa palavra, desculpa) a vida está aqui, pulsando e viva e é para ser vivida, mesmo com todos os contras, é para ser vivida. 

"Em meio aos gritos que redobravam de força e de duração, que repercutiam longamente junto do terraço, à medida que as chuvas multicores se elevavam mais numerosas no céu, o Dr. Rieux decidiu, então, redigir esta narrativa, que termina aqui, para não ser daqueles que se calam, para depor a favor dessas vítimas da peste, para deixar ao menos uma lembrança da injustiça e da violência que lhes tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar. "



Bônus 
Recomendo a leitura de Morte e Vida Severina, um poema de João Cabral de Melo Neto. Mesmo tratando da história de um retirante, que decidi fugir da seca, e só encontra morte por onde passa, João Cabral escreveu sobre sentimentos universais: a procura por melhores condições de vida e pela sobrevivência, o medo de morte e a falta de expectativa e esperança, causas de uma vida severina, ou melhor, severa. 
Essas descrições me recordam também o livro Vidas Secas, que já comentei em um post antigo. (Repudio esses posts antigos pela falta de escrita e argumentos consistentes, mas reconsidero já que eu era muito jovem e afinal quando estaremos satisfeitos com nós mesmos?)



Aqui estão minhas resenhas. Talvez não tenha conseguido escrever tudo que eu pensei durante a leitura, mas escrevi o que achei que melhor conseguia expremir o que as leituras me fizeram sentir. Espero que o próximo leitor seja você, que aqui se atreveu a ler. Muito obrigada.


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