Para quem e pelo o que escrever? A importância do ócio

É preciso escrever...
Não por uma missão ou por fama. Mas por vontade e critério. Não basta escrever por escrever.
O mundo é complicado, um emaranhado de redes, conexões há descobrir, desvendar... E para quem escrever? Para nós mesmos? Para revelar as nossas ideias, revolta, anseios, desejos para o resto do mundo? E se a partir da publicação aquela ideia já não é sua?
Infinitos ses... Infinitas impossibilidades que podem nos impedir de escrever.


Resultado de imagem para rené magritte
(Pintura Décalcomanie de René Magrite)

No cotidiano essas reflexões nos escapam, o automatismo nos inquire, a sociedade nos convida a entrar nas engrenagens, nem sempre temos tempo para nós mesmos. E se não temos tempo de ócio, como refletir, como escrever, como se lançar nos braços da leitura e também ler nossa própria escrita? Como lançar-se no mar que nossos pensamentos guardam? Como lançar-se nos abismos de nossa mente? Somos meras peças numa máquina, esperando pelos finais de semana, dormindo mal, ficando sobrecarregados de informações, novidades, mas nunca de nós mesmos? E se enfim nos enchermos de nós mesmos, deixar o copo transbordar?

Os ses são necessários, essenciais para não vivermos acomodados numa rotina exaustiva, fugindo de algo que mal sabemos existir: o auto conhecimento. Fugimos inconscientemente de um conhecimento... Inconscientemente não desejamos entrar nesse abismo. E se morrermos sem nos aventurar para além apenas do exterior?

Um copo de chá, um cheiro, uma mordida, uma risada, um toque: todos os sentidos abertos, mas e se for preciso não sentir tanto o externo, e sim o interior, desvendando as marcas, as cicatrizes, as ondulações, os rios caudalosos, as marés, os furacões, as tempestades; tudo aqui dentro. Deixar-se abrir, ser tocado, vivenciado.
Uma viagem quase sem fim, desconhecida, assustadora? Será que realmente nos conhecemos? E se se nos perdêssemos nesses lugares obscuros e cheios de luz cegante? Tememos nos perder?

Escrevi há tempos um conto onde uma personagem fugia de si mesma, de suas lembranças, ela temia se encontrar, porque onde vivia era proibido ser um sem rosto, alguém fora do padrão instituído naquela sociedade. Portanto era mais simples não pensar, viver dentro do exigido. Porém um dia ela não aguenta mais, sangra, se torna uma sem rosto. Mesmo que seja morta por isso, contudo seria sua escolha.
Seremos alguém de rostos definidos por leis, normas e regras ou escolheremos o caminho mais tortuoso, sim, porque é preciso dizer: é tortuoso, cheio de percalços. Nada de esconder.
É uma viagem sem volta? Não. Uma viagem que trará vozes de um outro, vozes do passado, vozes... Precisamos ouvi-las, precisamos nos ouvir mais. Se perder mais conosco. Se perder não resulta em somente perda. Pode trazer coisas a somar.

"Conhece-te a ti mesmo". Nunca tal conselho foi tão novo e aqui está a sua atemporalidade e a universalidade da arte, filosofia, literatura; enquanto formos humanos e precisarmos não apenas sobreviver, mas viver, procuraremos, buscaremos a nós mesmos. E se desvendarmos-nos? Na minha opinião, essa viagem é infindável e ainda bem, afinal a vida seria monótona. Uma vida sem aventuras, sem caça a baleias, sem temores. Que chata! Gritaríamos. Ainda bem. *


Adendo: infelizmente muitos não tem escolha, ou sobrevivem ou sobrevivem. Então pode-se presumir que eu ainda sou privilegiada por ainda ter essa escolha, enquanto outros não.
E se enfim todos tivessem escolhas e não imposições? Esse seria um futuro utópico, um futuro barrado por alguns privilegiados que se escondem em seus castelos de vidro e observam o mundo pegar foco. Malditos egocêntricos.
Acabei de ler Quarto de despejo e me sinto mal por ter oportunidades, por poder estudar, ter esse poder de acessar a internet, ter a chance de estudar em uma universidade. Parece que minha empatia não basta. O que eu poderia fazer? Será que essa postagem seria uma forma de resistir? A escrita funciona como grito contra as injustiças? Não posso me colocar no lugar de alguém que não tem e nem teve escolhas, entretanto, aqui deixo meu post como um apoio, não é pena, não sou superior, sinto antes de tudo empatia. Sinto, como Virginia Woolf as dores de um mundo despedaçado.




Comentários

Postagens mais visitadas