Em tempos sombrios: antes de amanhecer sempre é mais escuro



(Fotografia de Thalya Amancio, dia 23 de agosto de 2020). 


Não, cara leitora e leitor, não venho fazer um texto motivador, até porque não tenho capacidade para tal. Tenho certa esperança no conhecimento e no amadurecimento de alguns, nesse momento de isolamento consigo mesmos. Mas a vontade e o desejo de autodestruição parece perseverar para outros. Falhamos em muitos aspectos, as quais não irei listar. Falhamos em sentir, em se deixar sentir. Somos seres humanos, repletos de nervos e que por isso, sentimos. Não adianta fugir de sensações. Nosso corpo está aqui para sentir. E para retirar disso a racionalização (a tal união entre corpo e mente, lembrem).
Porém, por receio, muitos se negam a se entregar a maré do sentir e a pensar. Não é fácil sangrar todos os dias e haverá dias que estaremos simplesmente vazios, apáticos, cansados, saturados, incapazes de desenvolver empatia. E existirão outros dias que sangraremos. Concordo com Saramago, desculpa, nascemos para nos machucar, para sentir dor, sofrer e para pensar em como torná-los em aprendizado. E para sorrir, dançar, usar arte e escrita para se expressar. Para expressar toda as frustrações, angústias e impossibilidades de escapar desse corpo frágil. 
E é nesses momentos de se expressar, quando sinto a necessidade de me auto escrever, que aqui apareço. Nem que seja apenas para meramente escrever um devaneio sobre a nossa humanidade. Uma tentativa de acordar a mim mesma para a realidade. E quem sabe alcançar alguns para a empatia e o amadurecimento de se importar com o restante da sociedade. 
Não sou representante. Mas pensando em muitos que mal conseguem se expressar, escrevo. Para esses que se tornaram "Fabianos" porque foram controlados, retaliados ou não tiveram o acesso a meios que o permitissem colocar em palavras, sejam escritas ou oralizadas, toda a fúria e o desejo de fugir da inutilidade que problemas sociais os colocam. 
Talvez nós sejamos os privilegiados, conseguimos ler e podemos escrever para um blog ou outra rede social. Podemos nos pôr, nos apresentar ao mundo e através da escrita dizer e se auto afirmar como ser, existente. A escrita é poder. E com uma maior democratização da internet e das redes sociais (surgiram outros problemas, claro, como o compartilhamento de informações falsas por pessoas com má vontade e mau caráter) podemos apresentar nossas ideias. Esse é o lado tecnicamente positivo da internet. E nesse momento, no atual contexto, sabemos que ainda existem pessoas, brasileiros que não possuem acesso, mal tendo renda para a sua sobrevivência. E com o desgoverno que vivemos, demorará muito mais para que a vulnerabilidade delas seja resolvida. Nada é fácil de ser resolvido nesse Brasil com grandes problemas estruturais, históricos, sociais e culturais... Levará muito tempo até vencermos um pouco da escuridão que nevoa nossos olhos e nossas mentes. 
Embora eu mantenha na mente que não é um ensaio motivacional, ao lembrar do discurso de Carl Sagan em seu O Mundo Assombrado pelos Demônios, penso que precisamos de que cada um acenda a sua vela (vamos dizer que é o símbolo do conhecimento, da Ciência, da empatia e pela luta de vidas humanas) e vá espalhando para outras pessoas; acendendo a vela dos outros, compartilhando o mínimo que sabe. 
Esperemos que a memória de todas as mais de 120 mil mortes até esse dia, persistam, sejam relembradas, sejam ressignificadas. A Memória do nosso Brasil está também atrelada ao nosso passado, encoberto e esquecido. E é isso que muitos políticos maus caráters almejam. 
Necessitamos relembrar, nem que seja doloroso. A realidade não pode ser negada por essa razão. Não continuemos a doença da insônia e esquecimento sobre nós mesmos. A nossa História constitui quem somos. 

Mantenho a minha vela acesa iluminando um pequeno espaço ao meu redor e espero muito de que alguns me encontrem. Compartilho a minha chama, contigo, cara leitora e leitor. 


Ensaio escrito ao som de My Chemical Romance "Welcome To The Black Parade"


Sugestões de leituras:


Vidas Secas de Graciliano Ramos; 

Olhos D'água de Conceição Evaristo (autora que cunhou o termo escrevivências);

Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez; 

Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus; 

O Mundo Assombrado pelos Demônios de Carl Sagan.


Sugestão de música: Shake It Out de Florence + The Machine


Comentários

Postagens mais visitadas