Inesperado, conciso e alucinante: Resenha de "As Meninas" de Lygia Fagundes Telles

 

(Trecho com a narração da personagem Lorena)

"As Meninas" de Lygia Fagundes Telles foi publicado pela primeira vez em 1973 e em plena ditadura militar, a autora paulista consegue maestralmente unir três narradoras diferentes: Lia, Lorena e Ana Clara — fora a troca de narradoras em 1ª pessoa, ainda temos um narrador em 3ª pessoa, onisciente. Inovação refrescante até hoje.

Elas são três jovens que se conhecem, vivem em uma pensão de freiras para universitárias e acabam se tornando amigas e confidentes, ainda que separadas por seus pensamentos, idealizações, desejos, defeitos e erros. Suas humanidades. A vida interna do livro pulula de tal forma que parece que as personagens sairão do romance e virão bater um papo com você. Os diálogos são tão reais que tornam a leitura construída atemporal e "interativa".

E imagine só, Lia uma das narradoras, além de ser militante contra a ditadura, é negra e baiana. Em um dos trechos mais fortes do romance, ela lê uma carta escrita por um homem que foi torturado durante o período mais torpe e denso de nossa história. Um trecho que eu já esperava mas que me surpreendeu pela crueza e linguagem direta.

Se Lia ou Lião é politicamente ativa, Lorena sonha em ter um relacionamento com um homem casado, que teme terminar com a mulher e por isso, vive muito mais na sua caverna e naquilo que é cômodo: seu casamento. 
Já no caso de Ana Clara, vivenciamos uma das personagens mais alucinadas e surpreendentes. Bela como uma modelo, mas incapaz de controlar sua própria vida, porque — vou dizer, é um spoiler leve — usa drogas e trancou a faculdade de Psicologia, encontrando a si mesma perdida e relembrando um passado perturbador — o que acontece com Lorena, mas esta consegue superar idealizando, u játilizando outra forma de fuga.

Enquanto o mundo delas está com sérios riscos e problemas sociais, culturais e relacionados a liberdade, assistimos também a suas revoltas, medos e ambições interiores. O mundo externo e interno se conectam entre si. E ainda que essas meninas, experienciando a vida, mantenham conversas, existe barreiras intransponíveis. E as diferenças podem impedir a comunicação, lembremos.

Como qualquer leitura de Lygia, acabei com a sensação de que a incomunicabilidade, mesmo tênue, é permanente. Sempre falta algo a ser descoberto e compreendido pelo outro. E aí surge de novo a figura da relação entre EU-TU, presente em outras obras de nossa literatura, como é o caso de "Angústia" de Graciliano Ramos.

E que tal ler "As Meninas" e pensar nessa problemática? Tenho certeza que acabará retornando a si e compreendendo as suas relações. Quem sabe compreendendo melhor a figura viva e perspicaz trazida nesse romance: a jovem/o jovem ou melhor, a própria juventude.


(Foto de Thalya Amancio)

Vídeo publicado no meu canal do Youtube 
 





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