JOKER: INDIGESTO, INSANO E EXTREMAMENTE FASCINANTE

JOKER: INDIGESTO, INSANO E EXTREMAMENTE FASCINANTE



O filme Joker (Coringa) teve seu lançamento em 3 de outubro de 2019 pela distribuidora Warner Bros Entertainment. O elenco conta com nomes Joaquim Phoenix,  Robert de Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, dentre outros. A direção é do diretor norte americano Todd Phillips famoso pelo filme Se beber, não se case! Phillips surpreende positivamente em seu trabalho em Coringa, demonstrando que pode trabalhar em gêneros de drama, filme com camadas e complexidade.
Quanto as atuações, é indiscutível o brilho, o trabalho impecável de Joaquin Phoenix.  Joaquim que brilha, prende atenção do público. Também merece parabenizar o trabalho de Robert de Niro. Em papel coadjuvante de Niro faz um ótimo papel, convincente e contracena bem ao lado de Phoenix, as cenas de Niro e Phoenix juntos são divertidas, dramáticas e intensas. Ambos atores entregam um trabalho priorizo, espetacular e memorável.
Além do elenco ter sido bem escalado, o filme apresenta outros  méritos positivos, que serão abordados no desenvolvimento do texto. Há que mencionar o sucesso de bilheteira da produção. O filme causou surpresa por seu recorde de bilheteria. Há que pontuar também o sucesso da produção entre os críticos de cinema, especialmente elogios a interpretação impecável do ator Joaquim Phoenix, fotografia e roteiro.
Segundo o site Observatório do cinema Joker é a 6 maior bilheteria mundial de 2019. O filme ficou atrás somente de filmes como Vingadores: Ultimado, o Rei Leão. Homem Aranha: Longe de Casa; Capitã Marvel e Toy Story 4. Segundo dados do jornal Veja, o filme arrecadou mais de 1 bilhão de dólares a nível mundial. No Brasil mais de 9 milhões de espectadores assistiram o filme, o que equivale em 150 milhões de reais. De acordo com o site Omelete o filme arrecadou a nível mundial 1, 060 bilhão dólares.  
O filme não é um filme de ação. A obra enquadra-se no gênero drama, se propondo a realizar um estudo de personagem do antagonista Coringa.  Outro motivo de surpresa quanto Joker foram suas inúmeras indicações a diversos prêmios. Ressalta que a obra recebeu incontáveis indicações e prêmios.
No Festival de Veneza Joker recebeu o prêmio máximo Leão de Ouro. Também foi indicado nas principais premiações cinematográficas como Critics' Choice Award, SAG Awards, Globo de Ouro, BAFTA e Oscar. Nos eventos citados, exceto o Oscar, que ainda não ocorreu, Joaquin Phoenix venceu como melhor ator de 2019. O filme também recebeu indicações nas categorias melhor filme, direção e categorias técnicas.
O anúncio do novo filme gerou uma imensa repercussão e expectativa no universo cinematográfico, tanto por parte dos fãs como a crítica especializada. Um dos motivos que explica a repercussão e euforia com a obra trata-se da fama e fascínio pelo vilão. Coringa é um dos vilões mais enigmáticos do universo DC.
Após a divulgação do primeiro trailer a internet ficou em êxtase. A imagem de Arthur Fleck extremamente magro, melancólico, caminhando sobre ruas sujas, barulhentas de Gotham, em certos momentos sendo agredido, contrastam com cenas de alegria, afeto de Arthur em casa com sua mãe. Essas divergências demonstram a complexidade da vida e comportamento do personagem.
Em casa Arthur sorri, é amável, alegre, dança, brinca com sua mãe. A figura materna desperta o lado dócil, afetivo de Fleck. O personagem dedica cuidados a saúde debilitada de sua mãe. O trailer também mostra a vulnerabilidade social, física de Fleke, um sujeito de classe social baixa, que trabalha como palhaço, que sonha em seu comediante de Startup-up.
 É exposto o lado inofensivo, ingênuo do protagonista, também é visível o medo, espanto das pessoas ao deparasse com Arthur nas ruas, nos espaços públicos. O personagem causa estranheza e desconforto até em seus colegas de trabalho por sua risada incontrolável, seu corpo frágil. O trailer mostra rapidamente a mudança de comportamento de Arthur Fleck no inescrupuloso, sádico, assassino Coringa.
Interpretar o vilão foi desafiador para Joaquin Phoenix, o ator perdeu mais de 23 quilos para o papel. Essa perca brusca e intensa de peso, é perceptível e explorada no filme. O personagem aparece frágil, visivelmente com problemas, não se alimenta, fuma excessivamente. Caminha como se não aguentasse o peso do mundo. Como se o mundo o oprimisse, esmagasse. Não consegue caminhar ereto, confiante. O caminhar de Arthur é lento, curvado. Um individuo que faz suas atividades rotineiras e é vencido por questões macro estruturais e ver no humor e relação materna doses de esperança e otimismo.
  O diretor afirma ter se inspirado em filmes como Táxi Drive e O Rei da Comédia do diretor Martin Scorsese. A inspiração e referência são nítidas diante do teor da violência, descontrole e o uso da violência pelos protagonistas. A piada mortal também serve de inspiração para Todd. A violência e o humor ácido são explorados por Todd. A fotografia é impecável no filme, a mudança de cores para retratar a mudança de humor de Arthur, sua transformação de Arthur (doce, sorridente, amável) em Coringa (confiante, inescrupuloso, violento) fala e revela muito ao público.
Recomendo que prestem atenção no uso das cores azul, laranja, amarelo, as cores quentes e frias.  O filme também expressa no texto não verbal, as cores carregam símbolos e mudanças do protagonista. Assim como o filme tem escadas, corredores, o destaque para esses espaços é proposital e bem utilizado.
Na obra busca retratar e explicar a origem do protagonista e apresentar os possíveis acontecimentos, que impactaram na transformação e degradação do dócil, sonhador, trabalhador comum Arthur Fleck no vilão assustador e destemido Coringa. Essa transformação é repleta de violência, violência física, psicológica e simbólica. O personagem sofre e prática violência. É uma brutalidade nas ações do personagem. O cenário que Coringa está inserido também é espaço de diversas manifestações de violência, relações de poder, injustiças.
A cidade de Gotham é palco de ratos, lixo, desemprego. A população se revolta com a negligência governamental, com o avanço da violência urbana e a precarização do trabalho e a insegurança. Gotham de 1981 está diante de caos, crises, desigualdade social. As ações do vilão ocasionam e afloram um cenário político, social mais caótico e perigoso. A violência vira algo banal e uso de diversos sujeitos e grupos. A violência, crime deixam de chocarem para ser ferramenta de uso e adeptos.
Foi debatido na mídia e meios de comunicação se o filme poderia ser um gatilho ou banalizar a violência, há opiniões e análises divergentes sobre esse ponto da obra. Esse ponto não pode ser descartado, tampouco ignorado, pois massacres em espaços públicos como escolas, universidades estão ocorrendo a nível nacional e mundial, Brasil e Estados Unidos sofrem desse problema, entretanto esse ponto em especifico não será explorado nessa resenha.
É fundamental mencionar que o filme é contado em primeira pessoa pelo próprio antagonista, mais de 90% das cenas o vilão estar presente, a única versão que temos acesso é do antagonista, com isso, já deve ter cautela nas informações apresentadas pelo vilão, pois na trama a estória é contada para que você tenha empatia pelo vilão.
Nas cenas de violência, a atuação de Phoenix é assustadoramente incrível. Phoenix brilha, você esquece que está vendo uma ficção e acredita que está diante de um palhaço assassino com problemas neurológicos, desempregado. Os prêmios dados a Phoenix por sua atuação é indiscutivelmente merecidos. O ator entrega-se a obra, é convincente sua atuação, você acredita está diante de um vilão, é até possível em certos momentos ter empatia por vilão, o roteiro te conduz a isso, eis um dos perigos da obra.
Mediante de uma série de violência, violência simbólica explicita, o estado através de um sistema desigual entre classes sociais, negando direitos básicos e sociais a população pobre e marginalizada, a violência e injustiças ganham uma dimensão e proporção delicada. O filme não esconde seu viés político, a arte é inegavelmente política.
Outros temas abordados no filme são o adoecimento psíquico e agravamento da doença do protagonista, a desigualdade social, ausência e cortes de políticas públicas com doentes mentais, como esse tratamento do governo implica em graves problemas para sujeitos que sofrem com doenças e são desprezados pela classe política e a sociedade, sendo vítimas de exclusão e estereótipos, sendo enxergados como “loucos”, “perigosos”, “escórias” até em certos momentos postos em lugares de invisibilidade e subalternos.
Além da atuação magnífica de Phoenix, a trilha sonora é outro ponto que merece aplausos, quando toca Frank Sinatra você mergulha ainda mais na obra. Você deseja dançar, cantar. E Joaquim faz isso primorosamente, dança, canta. A dança vem após a violência, você fica paralisado e assustado com o sangue, com o riso e a dança de Joker. Parece coisas inimagináveis, o riso está acompanhado de violência, que a dança seja símbolo da crueldade do antagonista.
Quando imaginamos a dança, a música pensamos na arte, em liberdade, encanto. A dança, a música em Joker simboliza a confiança, “libertação” de um homem comum com problemas em um sujeito violento, desprendidos ou vazios de vínculos afetivos, sem ética, repleto de raiva ou talvez indiferença.
Na obra questões como a indiferença individual e social aliado com a brutalidade da desigualdade social são explorados demonstrando o impacto e consequência da desigualdade social e a indiferença da classe política com grupos sociais marginalizados e pobres. Como essas questões supracitadas tem como consequência o avanço da violência, problemas na saúde e segurança de diversos sujeitos e causa uma revolta popular.
Há aqueles que apontam o filme como revolucionário fazendo comparação com filmes como Parasita e Bacurau, um dos elementos que conecta e aproxima esses três filmes é a exposição e crítica os efeitos da desigualdade social, entretanto os três filmes tem diferenças entre si e propostas peculiares. É preciso ter cuidado, afirmar uma possível revolução nesse filme, utilizando como elemento revolucionário o próprio protagonista, essa afirmativa pode e é perigosa.
Um dos textos que compara ambos filmes aponta o tema da desigualdade social como elemento que conecta ás três obras, deixarei nas referências o link desse texto para leitura e análise. Também sugiro o vídeo da youtube Mikannn que comenta a discussão sobre o uso da violência em Coringa e se o personagem é um incel, além disso o psicanalista Christian Durken faz uma análise científica e um estudo sobre o vilão em seu canal no Youtube.
É evidenciado na fala do protagonista o seu não desejo de atuar na transformação política, social, econômica da cidade. Coringa não tem a pretensão de derrubar sistema econômico, acabar com injustiças, a sua raiva é destinada a machucar as pessoas que no passado ou presente lhe causaram danos. Ele é movido a vingança e ódio, interesses pessoais.
Além disso, esse uso e discurso é extremamente problemático, a escolha de um símbolo que adere a violência, faz apologia a ela, banaliza não é referência e alternativa ideal para mudanças políticas e sociais, na verdade é um fator para gerar transtornos e destruição do tecido social, pois não há se quer preocupação do personagem com as consequências de seus atos, não respeita os princípios democráticos, civilizatórios.
Nesse sentido o filme como um objeto de arte, tendo a linguagem escrita e audiovisual permeada de ideologia e poder, consumido por um público abrangente, serve e merece reflexão e debate. A liberdade artística deve prevalecer, assim como a liberdade está acompanhada de responsabilidade.
E nós enquanto público, cidadãos temos que problematizar e (re) pensar no conteúdo e impacto da arte e na realidade. Será que o cenário e conflitos expostos em Coringa assemelham com o cenário local ou mundial que estamos? Quais são os discursos que circulam ao nosso redor? E como estamos combatendo a violência? Debater a arte é essencial, principalmente arte que se propõe abordar a violência, o adoecimento e loucura dos indivíduos.
Coringa foi e é um dos melhores filmes de 2019, difícil de absorver, assimilar e analisar, assisti 3 vezes o filme, duas vezes no cinema e uma em casa, cada leitura e mergulho, uma nova interpretação e camada surgia, tornando com isso o filme ainda mais fascinante. Inúmeras vezes me questionei como é possível manter o controle, sanidade em uma sociedade cada vez mais violenta, desigual, autoritária? Como ter saúde mental e segurança diante de um cenário caótico, violento e com sistema político e econômico permeados de atrocidades? A sociedade, a realidade exposta em Coringa é terrivelmente assustadora e impacta nos sujeitos. Uma ficção não distante de nossa realidade, essas semelhanças causam ainda mais medo, temor e melancolia nos indivíduos da contemporaneidade. A obra apresentar ser atemporal, causar reflexão e debate mostra sua relevância e o poder da arte no mundo. 
Com isso, não é exagero afirmar que sem dúvidas Coringa é uma obra quase indigerível, insana e fascinante. Quase em muitos momentos desconfortos, raiva, comoção. Uma arte provocadora, desconfortável, politizada são as minhas favoritas. Repito Joaquin merece cada prêmio. Cada indicação dessa obra ao Oscar foi merecido, exceto Todd, substituiria sua indicação pela diretora Greta Gerwig por sua obra Adoráveis Mulheres. É absurdo que Greta tenha seu trabalho ignorado pela academia do Oscar. Retornando. Assistam e conversem sobre o filme, Coringa é um filme para ser visto, revisto e discutido. Boa indigestão e reflexão!

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