Diários de Quarentena: revirei-me, despertei-me






Vi um comentário em um vídeo na internet que me remeteu a dor de viver este momento. Relembrei de que muitos não poderão ler os livros já lançados e aqueles que ainda serão escritos... Não poderão escrever os seus livros, compartilhar suas memórias ou ao menos continuar.

Não poderão apreciar uma caminhada, apreciar uma música que amava ao lado de alguém que amava...

Relembrei-me em meio a uma música que fala sobre a nossa luta contra o nosso único destino: a morte imanente. Um comentário na música.

Como poucas palavras e frases podem nos tocar e sensibilizar de tal forma? Um comentário... Eu como receptora, o senti, o aceitei, ainda que em outra língua. 

Este agora, presente é dilacerador, como sempre foi: "O mundo é cruel", a frase permanente do mangá e anime Shingeki no Kyojin (2010-) aparece na minha mente. Talvez agora seja muito mais ou pareça mais, já que habitamos em um momento desconcertante e repleto de mudanças.  Não tenho certeza e nem consigo abarcar a todas que acontecem e coexistem paralelamente. Só sei que vivemos uma guerra. Guerra(s) de negacionismo e insensibilidade. Nos perdemos na massa da informação. No mar nos afogamos. 

Senti me revirar por dentro. Não só de lágrimas senti meu rosto. Senti meus ossos, dentes e vida pulsando dentro de minhas costelas. 

Revirei de imaginar que muitos tiveram suas vidas arrancadas, em agonia... Não! Eu sempre acabo pensando no sofrimento na solidão da madrugada. 

O alfinete toca na minha pele e esta sangra sem parar. Sangra e sangra em um mar vermelho.

Isto me torna humana? Não, não apenas a empatia, a sensação de dor ou o machucado. Talvez a capacidade de ouvir, reviver, resolver renascer, se regenerar em meio às cinzas. 

Renascer... Já parou alguma vez para pensar na formação de palavras e no sentido que atribuímos a elas? É transcendental. Damos significado a tudo. 

Desculpa, não consigo evitar, meu pensamento é circular. 

Viver é isto. Circular. Revirar-se continuamente, todos os dias.

O comentário e a música me revirou. Me alfinetou infinitamente. Infinitamente sou infligida pela maldição de ser humana na massa de adormecidos. 

O que é ser humano? Sinto, não expresso. Talvez só na arte eu assim o faça. Na arte sou humana amaldiçoada. Torno-me e compreendo outras.

A literatura, a arte, as línguas nos conectam. Ou podem ser instrumentos para esse fim. 

E você que aqui me lê, se conecta a mim, me decifra, repensa e para. Você me aceita. Me interpreta. Não apenas lê sem interagir. Você constrói junto comigo os sentidos de minhas palavras, tal como quando eu li o comentário e chorei por minutos até decidir escrever. 

Se o mundo for - e já é cruel -, não deixemos o anjo negro esterilizar nossa humanidade, nossos sonhos e nossos eus. Não deixemos extrair o que nos metamorfoseia de insetos monstruosos em humanos. 

Se deixem ser alfinetados e sangrar. Fluam como rios, mares, sem se afogarem. Como? Talvez escrevendo, conversando com alguém... Encontram seus portos seguros. 




Uma músicas que estava ouvindo para escrever 


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