Reflexões sobre a liberdade, a escrita e o futuro: leituras passadas



(Fotografia de Thalya Amancio, 2020)

 

Olá, queridas leitoras e queridos leitores! Como estão? 


Chegando o final do ano, começo a refletir e fazer um panorama de leituras, de projetos, planejamentos e de novas mudanças que preciso realizar. Adaptações no compartilhamento de minhas leituras, do meu conhecimento e do meu público. E agora, passo mais tempo lendo e realizando atividades da faculdade - para quem não sabe, curso Letras Português pela Universidade Estadual do Ceará (campus em Quixadá, uma cidade do Ceará) - e acabo procrastinando em resenhas e publicações. Já acontecia, não é? Natural nos ocuparmos com a vida pessoal e profissional. 

E muitas reflexões surgiram depois de leituras realizadas. Escrevi algumas resenhas rapidamente para o meu perfil do Skoob (vocês podem encontrá-lo no próprio blog em uma das abas do lado esquerdo), tentando extrair os sentidos que posso ter das obras. Tenho a concepção de que ao escrever o que entendemos, interagimos e nos tornamos mais atentos a detalhes das leituras. 


Abaixo, duas resenhas de um ensaio e de um romance muito conhecido. Quaisquer sugestão ou comentário, saibam que estou aberta a diálogo.



Duas leituras de outubro


Um Teto Todo Seu de Virginia Woolf



(Publicação de Thalya Amancio para o Projeto Mediando Encontros)


A escassez de mulheres na ficção



Um Teto todo seu. Um quarto, uma sala, um espaço livre de interrupções, alheamentos, desatenções. Tempo suficiente para se dedicar à escrita. Eis aí as condições básicas, segundo Virginia Woolf, para que uma mulher escreva ficção. Mas nada disso adiantaria sem recursos financeiros ou validação social - dois fatores largamente ausentes da vida das mulheres até o século XX (Contra capa da edição).


Um ensaio importantíssimo para pensar a produção literária e a própria liberdade das mulheres: elas, ou melhor nós, tivemos realmente acesso a educação formal, estudos para conseguir escrever e produzir publicamente nossos textos? Tínhamos tempo e disponibilidade para tal?
O grande questionamento, portanto, não é apenas se as mulheres publicaram obras e quais foram, mas perceber que existiu e existe uma lacuna na história da literatura de nomes femininos.

As mulheres boa parte da nossa história foram relegadas a cuidarem da família, dos filhos e do lar. Relegadas ao ambiente doméstico, restrito e vistas como incapazes para ocupar cargos diversos na sociedade.



"(...) é bastante evidente que mesmo no século XIX uma mulher não era encorajada a ser artista. Pelo contrário, era desprezada, estapeada, repreendida e aconselhada. Sua mente deve ter-se exaurido, e sua força vital ter diminuído pela necessidade de se opor a isso e desaprovar aquilo."



Durante todo o ensaio, adaptado dos discursos proferidos - intitulado inicialmente "Mulheres e a Ficção" - nas faculdades Newnham College e Girton College (Universidade de Cambridge) em 1928, ambas frequentadas por mulheres, Virginia vai para além de apresentar e discorrer sobre autoras e as suas principais temáticas. Ela questiona e enfatiza depois de pesquisar e refletir, se a falta de oportunidades e de acesso a leitura etc, não teriam impedido que grandes escritoras colocassem suas ideias no papel. E ela conclui, usando várias referências e a sua própria experiência: sim, com toda certeza. Ela mesma foi impedida de entrar em uma biblioteca porque não fazia parte da Universidade!

Woolf escreve de maneira brilhante e fluída, mostrando como faltou durante muito tempo (e ainda falta) espaço, dinheiro e um teto todo das mulheres para exercer e desenvolver todas as suas capacidades intelectuais e criativas.


"(...) Tranque as bibliotecas, se quiser; mas não há portões, nem fechaduras, nem cadeados com os quais você conseguirá trancar a liberdade do meu pensamento."

(Um Teto todo seu, Virginia Woolf, edição Tordesilhas).



Capitães da Areia de Jorge Amado



(Fotografia de Thalya Amancio, 2020)


Garotos abandonados = violência


Sabendo que Jorge Amado é um autor que iniciou sua carreira durante a década de 30 - falo da carreira de escritor, propriamente dito - apenas enxergaremos qual foi a sua contribuição na literatura brasileira ao analisarmos e lermos as obras dele (importante enfatizar). Interessante saber que ele teve seus livros atacados e destruídos, e este foi o caso de "Capitães de Areia", a obra a qual resenharei rapidamente.

A história se focará em um grupo de meninos abandonados e socialmente excluídos, que encontram saídas para a sobrevivência através de furtos, assaltos, estupros, brutalidade e violência. Os Capitães da Areia vivem no cais, perto do mar e são comandados por Pedro Bala, um garoto esperto que possui um talho no rosto, conseguido depois de uma briga que garantiu a sua liderança no grupo.

A narração é toda em terceira pessoa, mas veremos a perspectiva de várias personagens do grupo de meninos: tanto Pedro Bala, quanto o Sem-Pernas, o Volta Seca, o Pirulito, o Gato, o Professor, João Grande, Boa Vida entre outros, com uma única menina, Dora também fazendo parte. É portanto, uma narrativa que segue os moldes do romance coletivo, a qual o baiano, Jorge Amado era figura proeminente e famoso por usar a técnica de forma habilidosa, tal como realiza com a construção de períodos em que o narrador coloca a voz do povo menos favorecido e vulnerável, principalmente quando retrata a negligência do Estado e dos governos quanto aos cuidados básicos de saúde:


Omolu tinha mandado a bexiga negra para a cidade Alta, para a cidade dos ricos. Omolu não sabia da vacina, Omolu era um deus das florestas da África, que podia saber de vacinas e coisas científicas? Mas como a bexiga já estava (e era a terrível bexiga negra), Omolu teve que deixar que ela realizasse sua obra. Mas como Omolu tinha pena dos seus filhinhos pobres, tirou a força da bexiga negra, virou em alastrim, que é uma bexiga branca e tola, quase um sarampo. Apesar disto, os homens da Saúde Pública vinham e levavam os doentes para o lazareto (...) (Página 133, capítulo "Alastrim").



Embora com todas as ressalvas de ideias que são contraditórias, de seu próprio tempo e contexto, Capitães da Areia continua atual e muito relevante para pensar como os garotos, as pessoas e a população em geral brasileira é abandonada e, por isso, podem vir a encontrar saída em meios ilícitos, com o fim primordial da sobrevivência. Não é justificativa que se tornem criminosos para isto, porém, se não existirem outras maneiras de saírem da miséria e da fome, o que farão? É ludibriado aquele que acredita que a meritocracia existe no nosso país desigual.
E é um livro ainda mais relevante para pensarmos sobre o dito acima e sobre políticas públicas de combate ao desemprego, a fome, a insegurança, ao analfabetismo etc.

O final do livro é uma luz, mostrando que diversos caminhos foram escolhidos pelos meninos e, que agora, todos se encontraram. Todos agora possuem esperança porque descobriram ou criaram o sentido de suas existências. Alguns na igreja, na arte, na expressão, outros como líderes de greves e de lutas coletivas. E mesmo que um livro triste em grande medida, persevera a alegria e o amor imenso que Amado sentia pela Bahia.


(Fotografia de Thalya Amancio para divulgação do canal do youtube)
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